Blog
REVOLUÇÃO RUSSA
Os impactos do processo revolucionário russo no Brasil.
O ano de 1917 é repleto de agitações, em plena guerra mundial o mundo assistiu a Rússia vivenciar duas revoluções. Na primeira fase, a do início do ano, a pretensão era a de substituir o governo autocrático de Nicolau II por um regime mais liberal, comandado pelo Príncipe Georguy Livov e pelo Ministro da Defesa Aleksander Kerensky. O objetivo foi alcançado, porém Kerensky ficou pouco tempo no poder, sendo afastado na segunda fase da Revolução por Lenin e seus seguidores bolcheviques.
Muita coisa iria mudar naquele ano, acho que ninguém estava preparado para imaginar as dimensões de tal metamorfose. A Rússia se transformava no primeiro país socialista da história, e as reformas sociais, econômicas e políticas assustaram e inspiraram muita gente.
Para o professor de Relações Internacionais Diego Pautasso, da Universidade do Vale dos Sinos e do Colégio Militar de Porto Alegre, RS, o movimento de 1917 acentuou as inúmeras contradições que havia na Rússia. Especialista em História Russa, Diego Pautasso explica o que representou para a Rússia a primeira fase da Revolução Comunista:
“Esse primeiro movimento refletiu o acúmulo de contradições na Rússia. Do ponto de vista estrutural, o rápido desenvolvimento do capitalismo nas cidades tencionava acabar com as estruturas agrárias (feudais) e políticas (czaristas) arcaicas. Do ponto de vista conjuntural, a Primeira Guerra aprofundou os conflitos em função do desabastecimento, de reveses militares e divergências políticas. Trata-se de um período de transição em que o velho já morreu, mas o novo ainda não tem forças para se estabelecer. A revolução bolchevique imediatamente, representou a superação das estruturas feudais com a reforma agrária, a saída da guerra mundial, a estatização das fábricas, a autodeterminação dos povos não russos do antigo Império, entre outras medidas. Mas a questão central foi o conjunto de ações que norteou a primeira experiência socialista da humanidade e converteu a URSS numa superpotência – não obstante as contradições que levaram ao seu colapso entre 1989 e 1991.”
A experiência socialista vivida pelos russos repercutiu em todo o mundo, influenciando uma série de lutas operárias reivindicatórias e revolucionárias, na formação da noção de cidadania: saúde, educação, moradia, segurança não são um favor do Estado, e sim o seu dever, bem como, impactou na formação dos partidos comunistas e na estruturação da guerra fria.
No Brasil do primeiro quartel do século XX, a influência da Revolução Russa não tardaria a chegar, pois o país vivenciava um substancial incremento industrial provocado, sobretudo, pela onda de expansão capitalista dos fins do século XIX e pela necessidade de se substituir importações em virtude da inversão dos fluxos de mercadorias, consequências da Primeira Guerra Mundial. Nesse período, assistiu-se um vigoroso aumento da produção industrial que trouxe consigo o crescimento da massa de trabalhadores urbanos. Mas, o desenvolvimento industrial não produziu a distribuição da riqueza nem melhorias na vida do proletariado industrial, formado por migrantes que partiam do campo para as cidades, ou de imigrantes, que na sua maioria eram italianos e espanhóis. Pelo contrário, as condições de existência nos centros urbanos eram extremamente degradadas para a classe operária, com os trabalhadores cumprindo uma carga horária excessiva, em indústrias insalubres e doentias.
Em 1914, o Cotonifício Crespi, uma indústria de tear e tecelagem lucrou 196 contos de réis. No ano seguinte, o lucro foi de 350 contos de réis. E foi aumentando. Enquanto isso, aumentavam as horas de trabalho.
Com o aumento da produção, as fábricas brasileiras, que tinham poucas máquinas, vindas do exterior, tiveram que usá-las por mais tempo. Isso significava que os operários passaram a trabalhar até 16 horas por dia, sem aumento de salário.
Em 9 de julho, uma carga de cavalaria foi lançada contra os operários que protestavam na porta da fábrica Mariângela, no Brás, o que resultou na morte do jovem anarquista espanhol José Martinez. Seu funeral atraiu uma multidão que atravessou a cidade, acompanhando o corpo até o cemitério do Araçá onde foi sepultado. Indignados e já preparados para a greve, os operários da indústria têxtil Cotonifício Crespi, com sede na Mooca, entraram em greve, e logo foram seguidos por outras fábricas e bairros operários. Três dias depois, mais de 70 mil trabalhadores já aderiram à greve. Armazéns foram saqueados, bondes e outros veículos incendiados e barricadas erguidas em meio às ruas.
As ligas e corporações operárias em greve, juntamente com o Comitê de Defesa Proletária, decidiram na noite de 11 de Julho, 11 tópicos os quais apresentavam suas reivindicações.
- Que sejam postas em liberdade todas as pessoas detidas por motivo de greve;
- Que seja respeitado do modo mais absoluto o direito de associação para os trabalhadores;
- Que nenhum operário seja dispensado por haver participado ativa e ostensivamente no movimento grevista;
- Que seja abolida de fato a exploração do trabalho de menores de 14 anos nas fábricas, oficinas etc.;
- Que os trabalhadores com menos de 18 anos não sejam ocupados em trabalhos noturnos;
- Que seja abolido o trabalho noturno das mulheres;
- Aumento de 35% nos salários inferiores a $5000 e de 25% para os mais elevados;
- Que o pagamento dos salários seja efetuado pontualmente, a cada 15 dias, e, o mais tardar, 5 dias após o vencimento;
- Que seja garantido aos operários trabalho permanente;
- Jornada de oito horas e semana inglesa;
- Aumento de 50% em todo o trabalho extraordinário.
Para defender a greve, foi organizado o Comitê de Defesa Proletária, que teve Edgard Leuenroth como um dos principais líderes.
É verdade que as greves, que tiveram lugar no Brasil entre 1917-19, inauguraram uma nova era do trabalho no Brasil. É também importante salientar que muitas das reivindicações foram conquistadas contra todas as dificuldades e resistências dos patrões, e a classe operária brasileira pôde consolidar suas lideranças nascidas das correntes do chamado sindicalismo revolucionário (anarcossindicalismo) ou reformista. Apesar disso, o movimento operário brasileiro ainda não tinha forjado seus partidos de alcance nacional, sendo quase todos eles organizações locais e de vida efêmera. Muito em função dessa fragilidade organizativa, os trabalhadores não conseguiram produzir conquistas duradouras. Foi somente em 1922, sob a influência da Revolução Russa e do surgimento da Internacional Comunista, em 1919, que uma minoritária parcela do movimento operário brasileiro se dedicou à construção de um partido político sólido, nacional e centralizado: nascia, então, o PCB (Partido Comunista do Brasil). O discurso ideológico do PCB atraiu vários representantes da intelectualidade, tais como Graciliano Ramos, Jorge Amado e o renomado arquiteto Oscar Niemeyer.